Esteja aqui - Resenha crítica - Dalai Lama
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Espiritualidade & Mindfulness

Este microbook é uma resenha crítica da obra: Bstan-'dzin-rgya-mtsho

Disponível para: Leitura online, leitura nos nossos aplicativos móveis para iPhone/Android e envio em PDF/EPUB/MOBI para o Amazon Kindle.

ISBN: 978-65-5712-195-5

Editora: BestSeller

Resenha crítica

Vazio e compaixão

A compreensão do “vazio profundo” requer o entendimento da sutil diferença entre as chamadas “visões do não eu”, ressaltadas nas filosofias Prāsangika, Svātantrika e Yogâcāra.

A forma mais elevada e profunda do vazio, conforme a escola Prāsangika, consiste na interpretação de que tudo o que existe depende de determinadas condições de causalidade.

Em termos práticos, nada existe por si próprio, ou seja, a manifestação dos fenômenos (sejam naturais ou artificiais) dependem da sucessão de causas e efeitos. Todas as coisas estão interligadas e, por meio desse vínculo, conseguimos perceber o mundo ao nosso redor.

Tenha em mente que o autor não defende a tese de que nada tangível existe. Antes, Dalai Lama sustenta que todos os entes surgem na natureza segundo a dialética presente em cada causa e, por óbvio, em seus respectivos efeitos.

Partindo dessa concepção metafísica, podemos depreender uma consequência moral: a compaixão não é um sentimento que surge, automaticamente, dessa compreensão. Ao conhecer o significado do vazio fundamentado na causalidade, é mais fácil identificar que os acontecimentos negativos estão enraizados na ignorância.

A ignorância e o vazio são realidades completamente opostas. O fracasso em entender a interdependência e o vazio é, justamente, o que Dalai Lama chama de “ignorância”.

Felizmente, quando fortalecemos a convicção acerca do vazio, a ignorância perde, fatalmente, o seu poder. Sempre que cultivamos nossa consciência a respeito do vazio, a ignorância (fonte de nossos sofrimentos e confusões) pode ser aniquilada.

É por isso que os seres denominados “autoconscientes” padecem devido a essa ignorância e, pelo mesmo motivo, sentimos compaixão por eles. Afinal, se você é capaz de vislumbrar as causas do sofrimento humano, perceberá que ele desaparece assim que extinguimos a sua causa. Desse movimento dialético surge a compaixão.

O caminho do meio

O conceito de “caminho do meio” tem grande importância na religião budista. No entanto, sua compreensão não deve se limitar a viver evitando extremos, mantendo a equidistância dos fenômenos à nossa volta.

Com efeito, o próprio Buda, segundo a tradição, nasceu como um príncipe, para experimentar uma vivência de prazeres mundanos. No entanto, ele renunciou ao mundo, dedicando-se a viver como um ermitão, austero e praticando jejum até quase morrer.

Contudo, ele não chegou à iluminação e decidiu sair da floresta para curar o corpo e a mente mergulhando na meditação. Nesse sentido, o “caminho do meio” pode servir para coibir os extremos de dor e de prazer, mas não implica que necessitamos permanecer no mesmo ponto desde o início.

Para o budismo, quem segue esse caminho move entre os extremos e os experimenta na prática. Pois, quando você age de modo equilibrado, está “aqui”. Muitos budistas e monges não abordam os problemas reais do sofrimento, pensando, equivocadamente, que devem se manter estáticos, sem nunca entrar em ação, de modo a evitar os extremos.

Amor e apego

A nossa sociedade encontra-se iludida, segundo o autor, pelos bens materiais, deixando de lado o que é realmente valioso. Tendemos a julgar tudo materialmente e, como consequência, não reconhecemos valores de outros tipos.

As pessoas, em suas famílias, são bem tratadas apenas se ganham dinheiro. Quem nada ganha passa a ser tratado como inútil. Similarmente, as crianças são mais valorizadas quando seus pais vislumbram a possibilidade de ganhos futuros, negligenciando aquelas que não apresentam os mesmos prognósticos.

Alguns indivíduos podem, até mesmo, considerar que, como crianças portadoras de deficiências não são úteis, logo, poderiam ser mortas. A mesma lógica vale para os idosos: como eles não trabalham mais e param de ganhar muito dinheiro, não devem receber nada mais do que sobras para comer.

Como lidamos com os animais segue, também, esses princípios terríveis. Por exemplo, as galinhas poedeiras sempre são bem tratadas, ao passo que tanto os machos quanto as fêmeas que deixam de produzir são mortos.

O mesmo ocorre com os seres humanos: somente os úteis e produtivos são valorizados e não são abandonados. Dessa forma, a nossa sociedade é voltada para esses dois aspectos: o uso e a juventude.

A civilização atual rejeita, portanto, os inúteis e reconhece os considerados úteis. Dalai Lama, inclusive, observa que, em tal arranjo social, devemos orar para que nossas vidas sejam breves e vivamos pouco.

Infelizmente, esse problema é global. As sociedades, em sua maioria, creem que o único caminho é o do dinheiro. Amigos solidários e valores humanos profundos são os aspectos centrais da vida. Contudo, é triste constatar que poucas pessoas reconhecem essa verdade.

O autor menciona o exemplo de uma família que, apesar de contar com poucos recursos financeiros, é feliz porque seus membros estão repletos de afeto. Por outro lado, ainda que uma família seja bilionária, se as pessoas forem desconfiadas, invejosas e não existir amor recíproco, os habitantes dessa casa serão infelizes.

A intenção do Dalai Lama é enfatizar a diferença existente entre os valores profundos e os valores superficiais. A bondade e o amor são, com efeito, as qualidades mais importantes do ser humano, servindo de alicerce para a sua conduta ética.

Com essa fundamentação, os valores superficiais (como bens materiais e dinheiro) podem contribuir positivamente para a felicidade. Ao passo que, sem contar com os valores profundos, nem toda a riqueza do mundo fará sentido em sua vida. Esse é o ponto de partida para saber diferenciar o amor do mero apego.

Agora que chegamos na metade da leitura, conheceremos alguns dos aspectos essenciais da reflexão de Dalai Lama, tais como o poder de cura, o amor inato, a viabilidade do budismo atualmente e o conceito de responsabilidade própria.

Amor e o inato poder de cura

Nós, seres humanos, não podemos ser considerados meros animais, pois somos dotados de inteligência. A civilização foi produzida graças a essa capacidade intelectual que, por outro lado, trouxe grandes doses de sofrimento a todos.

Boa parte de nossos problemas espirituais têm sua origem no poder da imaginação e na sofisticação da inteligência. A tecnologia e a ciência também geraram esperanças ilimitadas. Consequentemente, nos esquecemos, às vezes, do que o autor considera a “natureza fundamental”.

Um bom exemplo pode ser encontrado no sistema médico. Quando um indivíduo está enfermo, a medicina tibetana busca desencadear, geralmente, o poder de cura que é inato ao corpo.

Por outro lado, procedimentos cirúrgicos ocidentais tendem a cortar uma determinada parte que não está mais funcionando no corpo, seguindo o mesmo raciocínio dos mecânicos que consertam máquinas. 

Entretanto, máquinas quebradas não conseguem se consertar, portanto, as partes que deixaram de funcionar devem ser retiradas e descartadas no lixo. Não obstante, o corpo humano não pode ser tratado como uma máquina.

Ou seja, mesmo que se encontre danificado, ferido ou doente, o nosso corpo possui o poder inerente e natural de promover a própria cura. Sempre que ficamos muito dependentes da tecnologia e da ciência modernas, nosso estilo de vida, invariavelmente, nos afasta da natureza humana básica.

Reflita: um indivíduo que vive como uma máquina não tem condições de cultivar a compaixão e o afeto pelos outros. Temos, na atualidade, a tecnologia, mas nos falta empatia.

Ao cooperarmos uns com os outros estabelecemos vínculos baseados na confiança mútua, na compaixão e no amor. De acordo com o autor, a manifestação dessa prática resulta no fortalecimento do sistema imunológico.

Budismo para um mundo moderno

Para compreender o significado do budismo na modernidade é necessário considerar que essa religiosidade não se resume à recitação de sutras. O mais importante é estabelecer uma conexão entre a saúde do organismo humano e um estado interior de bondade.

A relevância do budismo para a atualidade depende, em grande medida, da sua abertura. Dito de outra forma, os seus princípios e práticas devem ser trazidos ao cotidiano das pessoas. 

Há um ditado citado pelo autor, segundo o qual, “qualquer coisa que faça, não importa quantos mantras você entoe: se não for acompanhado pela iluminação, você renascerá como uma cobra”.

A interpretação dessa máxima sinaliza, segundo Dalai Lama, que a iluminação é mais que uma forma de conhecimento, consolidando-se como uma espécie de qualidade mental inata. Vivenciamos e sentimos isso em nosso interior. Recitação de sutras, mantras, orações e cerimônias, embora importantes, não são suficientes.

Não há diferenças substanciais entre a recitação e uma sutra sagada e a sua reprodução em uma gravação. O mais importante é que esta prática seja acompanhada por uma mente iluminada.

É necessário, para se converter em um Buda, acumular sabedoria e virtude. Ambas devem existir. Na realidade, elas representam a mesma coisa. Em decorrência, o budismo deve buscar a manutenção de uma base científica.

Responsabilidade própria

Para as religiões que admitem a existência de um Deus, tudo o que existe foi criado e determinado por Ele. Nessa concepção, Deus é grande enquanto nós, seres humanos, não somos nada. Assim, o “eu” não consegue agir autonomamente, pois somos todos dependentes de Deus criador, que tudo rege.

Essa forma de pensar é de grande utilidade para alguns indivíduos, mas, desde uma perspectiva budista, desencoraja o orgulho, a autoconfiança e compromete o poder criativo e a realização prática. Buda legou à humanidade o ensinamento de que você mesmo deve, em última análise, se converter em Buda. Aliás, ele foi uma pessoa normal e comum.

Em outras palavras, somos responsáveis por criar e seguir nossos próprios valores morais e éticos. Os mais importantes dentre eles, a bondade e o afeto, existem em um patamar diferente daquele que é próprio ao intelecto.

Em civilizações baseadas na inteligência, os aspectos intelectuais desempenham papéis superiores, de modo que incorremos no equívoco de selecionar e classificar as pessoas segundo a sua aparente “utilidade”.

O problema é que, se julgarmos somente a inteligência dos indivíduos, negligenciaremos os atributos originais de bondade e de afeição, valorizando exclusivamente os aspectos materiais e fugazes de nossos semelhantes.

Notas finais

Cumpre ressaltar, por fim, que o Dalai Lama defende uma sociedade fundamentada na bondade e no afeto, em vez da frieza existente no sistema social moderno. Essas qualidades não representam, somente, um renascimento de valores tradicionais.

Isto é, o autor não sustenta um movimento que visa a restauração de algo perdido, mas a manifestação da gentileza e do carinho que se desenvolveram ao longo da história e que se adequam aos nossos tempos.

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Quem escreveu o livro?

Jetsun Jamphel Ngawang Lobsang Yeshe Tenzin Gyatso é o 14.º e atual Dalai Lama, líder espiritual do budismo tibetano. Considerado a reencarnação do bodisatva da compaixão, Tenzin Gyatso é monge e geshe (doutor) em filosofia budista, recebeu o Nobel da Paz e foi agraciado com mais de 100 títulos honoris causa. Pesquisador infatigável, abriu as portas para o encontro da ciência com a espiritualidade quando, em 1987, reuniu-se durante uma semana com cinco cientistas ocidentais para debater a proximidade entre o budismo e as ciências cognitivas. A partir dali, criaram-se ce... (Leia mais)

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